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Ecos da ditadura militar: a censura nas redações

Comentário do jornalista José Bomfim (Blog do Brown – Informação e Cidadania) e reprodução de artigo assinado por Antônio Matos.

31 de março - 2014 às 14h42
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Reprodução

Quem atravessou os anos 70 e 80 do século XX sob a mira dos fuzis e da intolerância do regime militar no Brasil – implantado em 1964, endurecido em 13 de dezembro de 1968, com o AI-5 – jamais vai esquecer o que é viver sem liberdade. E quando digo liberdade refiro-me às mais básicas formas de se estar livre. Conversa entre amigos numa esquina qualquer por volta das 21 horas soava no radar dos policiais como se fosse um comício para desestabilizar o regime. As manifestações eram reprimidas violentamente. Prisões arbitrárias. E nos Dops da vida e da morte a tortura era institucionalizada. Muito ainda há para se falar daquele triste período. E se hoje ficamos tristes e decepcionados com o que os governos e seus séquitos aprontam, saiba, sem a democracia é bem pior. Leia, abaixo, o artigo de Antônio Matos, falando da liberdade de imprensa.


A censura política nos anos de chumbo

Antônio Matos*

A censura política, sofrida pela imprensa brasileira após o golpe militar de 1964, era feita de duas maneiras: ou por meio de bilhetes/notas oficiais e telefonemas do Exército (e, mais tarde, da Polícia Federal), determinando quais os assuntos que deveriam ser noticiados ou com censores/policiais, revisando nas redações todo o material a ser publicado, a chamada censura prévia. Além disso, havia ainda as ações intimidatórias, como os “convites” para que repórteres, redatores, produtores e editores comparecessem ao comando local da Região Militar do Exército, a fim de prestar esclarecimentos a respeito de notas, matérias e reportagens já publicadas e apontadas, pelos censores, como atentatórias à segurança nacional ou que tivessem provocado prejuízos à imagem das Forças Armadas.

Na Tribuna da Bahia, onde trabalhei desde a Escolinha TB – uma oficina criada por Quintino de Carvalho, para os repórteres que iriam trabalhar no jornal – em 1968, até junho de 1974, acho que a censura foi mais rigorosa do que a exercida pelo governo militar nos outros veículos de comunicação do estado. Os motivos para isso estavam mais ou menos explicados: embora presidida por um empresário e ex-banqueiro Elmano Castro, a TB tinha como redator-chefe o conceituado jornalista Quintino da Carvalho, com larga experiência no “Jornal do Brasil”, ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro e com atuação destacada em “O Momento”, jornal do Partidão na Bahia, diversas vezes empastelado pela polícia estadual, e que circulou em Salvador, de 1945 a 1957. Quintino, que resgatara, no hoje extinto “Jornal da Bahia”, Misael Peixoto, chefe da diagramação – seu colega em “O Momento” e também antigo filiado ao PCB – comandava uma redação, em sua maioria, formada por esquerdistas de todos os matizes (radicais, atuantes, ideológicos, festivos e simpatizantes), jovens rebeldes e idealistas, basicamente com menos de 25 anos e recrutados nas faculdades de Biblioteconomia e Comunicação e de Direito.

Diante deste ambiente incendiário, cansei de ver, da minha carteira da chefia da Editoria de Esportes, bem em frente ao corredor, notadamente no ano de 1973, a chegada dos temíveis e pouco simpáticos censores, dirigindo-se arrogantemente, ao gabinete do redator-chefe, com as notas – muitas vezes, numa tira fina de papel – que sempre começavam com um vago “de ordem superior” e, em algumas ocasiões, chegavam a fixar o período da proibição. Quando o assunto tinha a classificação “muito importante” pelos órgãos de repressão, era o próprio superintendente regional da Polícia Federal – no caso da Bahia, o coronel do Exército, Luiz Arthur de Carvalho – quem pessoalmente encaminhava às redações o que estava proibido ou o que deveria ser divulgado. A censura era indiscriminada: proibia a publicação de uma epidemia de malária no Amazonas, de notícias relacionadas ao aniversário de nascimento do revolucionário russo Lenin, do discurso de um deputado, até a divulgação de uma nova lista de presos políticos apresentada por sequestradores para troca por algum embaixador feito refém. As determinações eram pouco questionadas e sempre atendidas, às vezes até com algum exagero.

A doutrina de Segurança Nacional – desenvolvida na Escola Superior de Guerra (ESG), pelo general Golbery do Couto e Silva – utilizava a repugnante censura sob a alegação de que assim estaria combatendo o comunismo, responsabilizado por uma propaganda subliminar do sexo, do amor livre, da obscenidade, das drogas, por meio da mídia, do teatro, do cinema e da música, para corromper a família e os costumes. Em defesa também desta injustificável censura à imprensa, Gama e Silva, ministro da Justiça durante o governo Costa e Silva e redator do repressivo Ato Institucional número 5, procurou minimizar a intervenção do Estado na mídia. Usou um eufemismo, ao afirmar que eram apenas orientações para a redação dos noticiários e das publicações “dentro de um clima de respeito à autoridade”. Felizmente, os tempos são outros. Não existem mais Golbery nem Gama e Silva. A censura política na imprensa – pelo menos, ostensivamente e de modo oficial – é coisa do passado. É bom lembrar que a liberdade da imprensa, inimiga dos ditadores, é fundamental para o desenvolvimento do país, pois incentiva o debate, amplia o acesso às informações e promove a troca de ideias.

*Antônio Matos é jornalista e delegado de polícia

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