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O que restou de Che Guevara

Cinquenta anos após a morte do carismático guerrilheiro, o mito resiste como uma marca de sucesso que vende até biquínis.

09 de outubro - 2017 às 10h29
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Octávio Costa / IstoÉ

Mais velho dos cinco filhos de uma família da alta classe média argentina, Ernesto Guevara de La Serna tinha tudo para se tornar apenas um rapaz latino-americano. Mas seu espírito irrequieto falou mais alto. Em 1951, aos 23 anos, seis meses antes de se formar em Medicina, fez uma longa viagem de motocicleta pelo continente, de Buenos Aires a Caracas. Conheceu minas de cobre, leprosários e povoações indígenas e ficou marcado por isso. Em julho de 1953, já formado, voltou a botar o pé na estrada. Desta vez, passou pela Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, El Salvador e Guatemala. Diante das injustiças que viu, concluiu que a única resposta para tamanha desigualdade era o comunismo e a revolução. E assim surgiu o mito de Che Guevara, o guerrilheiro que, 50 anos após sua morte na Bolívia, ainda desperta paixão entre os jovens da América Latina.

O pensamento de esquerda tornou-se hegemônico na vida de Guevara após sua passagem no final de 1953 pela Guatemala, cujo governo socialista enfrentava forte oposição dos Estado Unidos. A partir dessa experiência, o médico argentino passou a se definir como um revolucionário. Em 1954, no México, aconteceu o encontro que mudou definitivamente seu destino. Guevara foi apresentado a Raúl Castro, irmão mais novo de Fidel Castro. E integrou-se ao pequeno grupo que partiu para Cuba em 1956, a bordo do iate Granma, com o difícil desafio de derrubar o ditador Fulgêncio Batista. Do alto da Sierra Maestra, eles deram combate às forças de Batista, até que as derrotaram nos últimos meses de 1958. Em 1° de janeiro de 1959. Fidel Castro, Raúl Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos entraram em Havana nos braços do povo. E a revolução cubana passou a inspirar moças e rapazes de esquerda pelo mundo afora.

Sobre a revolução cubana, tudo já foi dito, com defensores intransigentes à esquerda e críticos ferozes à direita. Que correu sangue todos sabem. O próprio Che admitia a violência. Mas ressaltava que é preciso “endurecer, mas sem jamais perder a ternura”. No período pós-revolucionário, foi presidente do Banco Nacional e Ministro da Indústria. Também representou Cuba em missões diplomáticas. Em agosto de 1961, esteve no Brasil e foi condecorado pelo presidente Jânio Quadros com a Grão-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Em 1965, já cansado dos salamaleques oficiais, o Che deixou Cuba, com o apoio de Fidel, para propagar a luta armada pelo Terceiro Mundo. Nunca mais voltou.

“SEM PERDER A TERNURA”

Primeiro, foi para o Congo, com tropas cubanas em missão de apoio à guerra de independência local. A presença estrangeira foi rejeitada e vários cubanos morreram em combate. Sob o olhar crítico de Fidel Castro, decidiu, por sua conta e risco, dar início a um foco guerrilheiro nas montanhas da Bolívia, inspirado no exemplo da Sierra Maestra. Deu tudo errado. Sem apoio dos comunistas bolivianos, Che não conquistou a confiança dos camponeses e enfrentou fortes crises de asma, doença que o acompanhava desde a infância. Isolado, não resistiu ao cerco das forças governistas, que tiveram apoio da CIA. No dia 8 de outubro, ferido e maltrapilho (com uma bota de pano) foi capturado na aldeia de La Higuera e levado para uma lavanderia, onde passou a noite. Na manhã seguinte veio de La Paz a ordem para seu assassinato. Guevara foi executado com uma rajada de fuzil automático. Teve suas mãos cortadas e guardadas em formol.

Che Guevara morreu em 9 de outubro de 1967. Mas está mais vivo do que nunca. A revista Time incluiu seu nome na lista das 100 personalidades mais importantes do Século 20, no segmento “Líderes e Revolucionários”. Na Argentina, foi eleito o maior político do século passado, à frente de Juan e Evita Perón. Che está toda parte, de anúncios de bancos a estampas de biquínis, de rótulos de cerveja a tatuagens nos braços de boxeadores e jogadores de futebol. Sua mais famosa foto, feita por Alberto Korda, que o mostra de boina e olhar firme, é conhecida em todo mundo. Outra foto, da mesma época, em que ele aparece sorridente, com um charuto entre os dedos, tornou-se igualmente simbólica.

O poder público também fatura com seu carisma. Em 1997, foi construído, em Cuba, um mausoléu em homenagem ao Che em Santa Clara. Ali, estão seus restos mortais e os de 29 de seus companheiros. A área inclui uma estátua de bronze e é visitada por milhares de pessoas todo ano. Na Bolívia, o governo encontrou um filão turístico na região montanhosa por onde o guerrilheiro passou. Foi criada a “trilha do Che”, de Santa Cruz de La Sierra a La Higuera. Atrai um número cada vez maior de turistas e pelegrinos ideológicos. Seria um erro atribuir o interesse por Che apenas à simpatia dos jovens pelo marxismo ou pelo regime cubano. A grande maioria se espelha no exemplo libertário do médico argentino, como mostrada em “Diários da Motocicleta”, do brasileiro Walter Salles. O filme “Che”, de Steven Soderbergh, com mais de 4 horas de duração, narra da revolução cubana ao sacrifício na Bolívia. O que importa, portanto, é o homem, o revolucionário romântico e sonhador. É assim que a juventude vê Ernesto Che Guevara.

As gerações que compram os produtos com o rosto de Che não são formadas por comunistas e nem pretendem pegar em armas contra os governos locais e suas instituições. Seu recado é muito mais simples: acreditam em idealistas que não se deixam corromper pelas delícias do poder. Reside aí a força do mito. Por isso, o Che está presente nas mochilas e nas paredes 50 anos após sua morte. Como diz uma das músicas mais conhecidas de Cuba: “Aqui se queda la clara/La entrañada transparência/De tu querida presencia/Comandante Che Guevara”. Ou seja, ainda hoje, para os jovens da América Latina, está clara a presença de Che Guevara.

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