Em maio de 1975, há quase 50 anos, o cronista e fotógrafo francês Dimitri Ganzelevitch escolhia o Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador, para morar. A casa de número 28 da Rua dos Passos foi sua primeira moradia, onde pagava um aluguel barato para ter um espaço agradável. Dez anos depois, no ano de 1985, comprou uma outra residência, onde vive até hoje. O sossego, porém, segundo ele, acabou na região de uns anos para cá.
Em denúncia feita no mês de dezembro ao BNews, a presidente da Associação de Moradores (AMSA), Carolina Zanetti, relatou que moradores e comerciantes estão perdendo o sono com o desenvolvimento recente do bairro. Entre os problemas estão falta de fiscalização e planejamento, excesso de som alto – que além de ser incômodo, prejudica estruturas antigas – e a mobilidade limitada, uma vez que a região é formada por ruas estreitas.
Uma carta enviada ao prefeito Bruno Reis e assinada pela ASMA, no dia 18 de dezembro de 2024, moradores afirmaram discordar com a “invasão” no bairro, citando que existem outros espaços ideais, como a Casa de Apostas Arena Fonte Nova, para abrigar grandes eventos. “Um evento com uma banda como o Attoóxxa, em um espaço aberto, nde não se pode controlar a quantidade de pessoas, sem infraestrutura nenhuma, não pode virar algo rotineiro”, afirmou Zanetti.
Ganzelevitch relembrou ao BNews que o Santo Antônio sempre foi um bairro tranquilo e “adormecido”, ganhando o carinho e curiosidade de pessoas ao redor do mundo ao longo dos anos, tornando-se também um espaço boêmio.
“As pessoas trabalhavam fora e entravam para casa, fechavam a casa, as janelas. Quando eu falava que morava aqui, me olhavam aterrorizados, como se eu fosse maconheiro. Era muito malvisto morar aqui. Já recebi Regina Cazé, Marieta Severo em casa, e muita gente acabou comprando residência aqui no bairro. Eu fui o primeiro gringo a morar aqui. Depois vieram italianos, americanos, ingleses. A partir daí o bairro começou a ser falado; vieram cariocas, mineiros” disse.
O desenvolvimento natural de uma cidade como a capital baiana, que recebe milhões de turistas especialmente no verão, abriu as portas para a realização de festas, principalmente no Centro Histórico. Entre os dias 10 e 12 de janeiro, o festival Som do Sabor, um evento gratuito e aberto ao público, será sediado no bairro vizinho ao Pelourinho. Como previsto, o anúncio levantou mais críticas por parte de moradores.
“É uma coisa totalmente errada, o bairro não comporta grandes eventos de jeito nenhum. O prefeito gosta de dizer que Salvador é a cidade da música, então tem que ter música por toda parte. Mas não pode esquecer que tem crianças, velhos, tem animais. A gente não pode viver numa barulheira constante, isso é um absurdo”, destacou o francês.
O empreendedor e morador do bairro, José Yglesias Garcia, afirmou que, embora esses eventos movimentem a economia local, os organizadores precisam considerar os limites da área tombada. “As vibrações causadas pelo excesso de decibéis afetam a integridade estrutural dos edifícios. Além disso, a infraestrutura precária, como a falta de banheiros públicos suficientes, acessibilidade inadequada e estacionamentos seguros, cria desconforto para visitantes e moradores, além de agravar os problemas com resíduos e desordem urbana”, relatou.
O empresário acredita que é possível equilibrar a movimentação econômica e o respeito ao bairro com eventos de menor porte, que preservem a autenticidade do local. “Investir em eventos de pequeno porte, com foco em experiências autênticas, arte, música e gastronomia, seria uma alternativa mais harmônica e sustentável”, disse ao BNews.