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Carros antigos: brinquedo de gente grande!

Clube de Irecê resgata a história do automobilismo e alimenta uma paixão que ultrapassa as barreiras do tempo.

19 de outubro - 2015 às 12h52
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Matéria publicada originalmente na Revista Meio / Edição 17 - outubro 2015

Por Daniel Pinto / Fotos: Renato Sampaio

Muitos passam a se interessar por influência do pai ou do avô. Alguns, mesmo sem referências na família, são “fisgados” pela estética ou pelo barulho do motor. Outros são movidos pela memória afetiva ou então “alimentam” a nostalgia de um tempo que não foi vivido. Mas, uma coisa é certa: quase ninguém é indiferente à magia dos carros antigos. Em Irecê, no norte da Bahia, um grupo de amigos se juntou e fundou um clube para celebrar essa paixão. O nome encontrado não podia ser mais objetivo: Clube dos Carros Antigos / Irecê – Bahia. O primeiro evento oficial, considerado o batismo da “liga sertaneja de antigomobilismo” foi o Forrock 2015, em maio deste ano, quando foi realizada a primeira exposição. De lá pra cá, o grupo participou dos festejos juninos na cidade e promoveu passeios para Cafarnaum e Lençóis, Chapada Diamantina.

Gasolina na veia

No último dia 15 de agosto, a Revista Meio acompanhou uma exposição do Clube dos Carros Antigos, realizada em frente à concessionária Topvel, na Av. 1º de Janeiro, Irecê. Logo assim que as mais de 30 “máquinas” foram cuidadosamente estacionadas, as pessoas começaram a se aglomerar para tirar fotos, conversar com os proprietários ou (simplesmente) reviver um passado que não volta mais. “A gasolina corre em nossas veias”, dizia o sorridente Paulo Cézar Barbosa de Souza, gerente comercial da empresa anfitriã há 23 anos. Paulinho da Topvel, como é conhecido, era um dos mais animados. A mesma felicidade foi vista em seus olhos quando falou de um certo “mamão passado”.

“Aprendi a dirigir numa Kombi, aos 16 anos. Eu pegava o carro do meu pai pra lavar. Tinha que ficar com moral, né. Meu pai também teve Opala e Caravan. Depois, meu irmão comprou um Maverick. Mas, meu primeiro carro, comprado com meu dinheiro, foi um Opala 1972. Na época, a gente colocava apelido nos veículos. O meu se chamava mamão passado”. A revelação serviu para ilustrar a importância que os carros possuem na vida de um dos fundadores da “trupe”. De acordo com Paulinho, o negócio surgiu de forma espontânea. “O clube nasceu da vontade de encontrar com os amigos, compartilhar um amor em comum e trocar experiências”, completou. Atualmente, o Clube dos Antigos de Irecê possui 22 membros efetivos, mais de 100 integrantes no grupo do Whatsaap e (à época) estava em vias de formalizar o estatuto da entidade e eleger a primeira diretoria.

Como fazer parte? Quem pode se associar?

Para participar basta ter um carro antigo (veículo fora de linha) que cumpra os requisitos exigidos pela legislação brasileira e possua estrutura original. Ainda segundo Paulinho da Topvel, é “importante manter o combustível de fabricação e a pessoa interessada deve ter idoneidade”. “Afinal, esse é um ambiente familiar. Ninguém aqui sai por aí dando cavalo de pau ou excedendo os limites de velocidade”, arrematou o feliz proprietário de um Maverick (modelo 1979 / quatro cilindros) e um Opala 1980 - que de tão preservado parece que acabou de sair do “túnel do tempo”.

Em agosto, a entidade ainda não tinha sido formalizada. Entretanto, o presidente já havia sido escolhido pelos sócios. O “cara” é o empresário José Abreu Sobrinho ou Zé Abreu da Schin, como é popularmente chamado. Quando não está cuidado do abastecimento de uma das 41 cidades atendidas pela revenda da Schincariol na Região de Irecê e Chapada Diamantina, ele gosta mesmo é de encontrar os amigos e desfilar pelas ruas com o seu Landau / 1980 – modelo 1981. “Essa coisa linda chegou em minhas mãos na hora certa. Já comprei assim: todo original, automático, completo”.

Zé Abreu - que aprendeu a dirigir aos 12 anos, num caminhão 1958, quando ainda morava na Paraíba - fez questão de destacar a identificação com o clube e os laços fraternos que unem os associados. “É um prazer enorme servir a essa turma! O Clube dos Antigos é uma grande família. Por isso, queremos dar nossa contribuição social”. Apesar do ambiente festivo da exposição, em conversa com a Revista Meio, o presidente falou sério: “queremos aproveitar esses momentos para arrecadar fundos e donativos para os mais necessitados. Todos nós temos esse desejo de ajudar o próximo e contribuir com a nossa sociedade”.

De pai pra filha

O empresário Edmilson Coutinho da Silva, proprietário da Check UP Serviços Automotivos, tem três filhas. Todas apaixonadas por carros antigos. “Tá no DNA”, garantiu Patrícia Vilella, que apesar de ter se formado em Marketing e Designer Gráfico, administra a oficina junto com o pai. “Quando era bem pequenininha, vi meu pai montando um Jeep. Fiquei encantada! Na hora, tive certeza que aquele sentimento iria me acompanhar pro resto da vida”, disse a primeira mulher a fazer parte do Clube dos Carros Antigos de Irecê.

Descontruindo o mito de que o automobilismo é um universo estritamente masculino, Patrícia Vilella demonstra grande conhecimento sobre o assunto e fala com propriedade sobre um projeto em andamento. “Só existem três Pumas em Irecê. Dois deles são meus. Compramos as carcaças e estamos trabalhando na restauração. Um deles é um GTS 1975, amarelo original. Tivemos que encomendar os vidros e retrovisores. Coloquei um motor 1.6. Acho que até o final do ano estarei junto com o pessoal rodando por aí”.

Entusiasta do grupo, ela quer servir de exemplo e encorajar outras mulheres. “Já chamei minhas irmãs para fazer parte do clube. Tem uma menina que anda com um Fusca rosa, convidei ela também. Muita mulher tem receio porque acha que é um espaço dominado pelos homens. Não tem nada disso! O carro antigo é uma paixão que ultrapassa qualquer barreira. Vou aproveitar pra fazer um chamado: venham, mulheres! Vamos fazer parte desta história. Tenham certeza que vocês serão bem-vindas”.

O Chevette mais velho do que o proprietário

“Meu pai tinha um Jeep que subia qualquer serra sem fazer cara feia. Eu devia ter uns oito anos e achava a coisa mais linda! Disse pra mim mesmo, um dia vou ter um desses”. Para o eletricista Wilson Pereira Bastos, felizmente, esse dia chegou. Entre as relíquias expostas em frente à concessionária Topvel, destacava-se um Jeep dourado (1980), cujo proprietário brincava com um garotinho, que já demonstrava desenvoltura dentro do veículo projetado para superar grandes desafios. “Esse é meu filho Gabrielzinho, de três anos. Essa herança vai passar de geração em geração”, afirmou, orgulhoso, Wilson Bastos.

Em meio aos “antigos”, era possível identificar um garoto imberbe que circulava de um lado pra outro com a camisa laranja com detalhes em preto, com a logo do Clube dos Carros e o nome Bruno Lima do lado direito do peito. Mesmo sem influência de ninguém em casa, desde pequeno ele queria ser mecânico de Fórmula 1. As curvas sinuosas da vida fizeram com que ele se tornasse um designer gráfico. Mas, o amor por automotores permanece inabalável. “Não sei nem como explicar. Me emociono só de ouvir o ronco de um motor”.

Bruno tem 22 anos e possui um Chevette 1984, quase 10 anos mais velho do que ele. “Há três anos, surgiu a oportunidade de comprar um carro. Meu pai queria que eu comprasse um veículo novo. Mas, eu insisti no meu sonho e comprei um Chevette. Reformei o motor, comprei roda, fiz pintura e chaparia. Hoje, tá uma maravilha! Onde passa, chama atenção”.

O homem da placa preta 

A placa preta é uma espécie de “Santo Gral” para colecionadores de carros antigos. Consegui-la não é tarefa fácil. É preciso atender algumas exigências, entre as quais:

Submeter o veículo à avaliação de um clube credenciado pelo DENATRAN ou pela Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA).

O carro precisa estar bem conservado, ter mais de 30 anos de fabricação e possuir (pelo menos) 85% de peças originais.

Modificações mecânicas são desclassificatórias. Não é permitido, por exemplo, mexer no motor, alterar o sistema de suspensão ou até mesmo customizar o carro de forma radical.

Só após receber o Certificado de Originalidade de um clube o proprietário estará habilitado a ter a placa preta emitida pelo DENATRAN.

 

No Clube de Irecê o único que possui um carro com placa preta é o médico e empresário Allan Oliveira. Na verdade, são dois: um Maverick motor V8 e 300 cavalos de potência e uma Pick-Up F-75 fabricada em 1980. Além dessas duas “maravilhas sobre rodas”, o Dr. Allan (distinção que saiu dos consultórios e ganhou as ruas) possui outros cinco “brinquedinhos de gente grande”: Fusca Itamar 94, Jeep 4 x 4 1976, Corcel LDO 1997, Mercedes Benz 220 s 1965 e Fusca 1977. “A coleção vai crescer mais um pouquinho... Espero que um dos meus filhos (João Victor, Letícia e Felipe) dê continuidade”, confessa.

Durante bate-papo com a Revista Meio, ele revelou os segredos mais importantes para manter as relíquias em bom estado de conservação. “Eu guardo meus carros num galpão. Veículos antigos não podem ficar expostos durante muito tempo ao sol, sereno ou chuva. É importante ligar o motor e rodar com eles uma ou duas vezes por semana. Não se pode esquecer de monitorar os níveis de óleo e água. Tem que ficar atento à ruídos estranhos e ouvir com atenção o barulho do motor. Também gosto de fechar as portas só na primeira tranca para não estragar as borrachas de vedação”.

Apesar da coleção tão expressiva (e cara), Dr. Allan garante que o hobby não é apenas para quem possui boa condição financeira. “Não existe nenhum tipo de segregação social. Qualquer um que tenha carro antigo pode participar. O que nos une é a mesma paixão”.

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