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Stella Maris: Moradores instalam placas de trânsito irônicas e alertam para perigo

Mesmo silenciosa, a mensagem ultrapassou os domínios da rua, do bairro, da cidade, e chamou a atenção no país inteiro.

27 de setembro - 2014 às 09h19
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Alexandre Lyrio / Correio*

Fumaça? Nenhuma. Pneu queimado? Zero. Trânsito travado? Nada. Pelotão de Choque, bombas de gás, spray de pimenta? Nem pensar. Para acabar com o protesto dos moradores da Alameda Praia do Flamengo, em Stella Maris, na capital baiana, a polícia terá de oferecer à população o que mais se espera dela: segurança. Não parecia, mas a alameda foi palco de um protesto de grande repercussão. Na rua de 22 casas e cerca de 2 km de extensão, nove criativas placas de sinalização foram colocadas por moradores em uma das margens da via, mas, mesmo silenciosa, a mensagem ultrapassou os domínios da rua, do bairro, da cidade, e chamou a atenção no país inteiro, com divulgação em diversos noticiários nacionais.

A reivindicação era uma só: segurança. A munição dos protestantes: ironia. “Procura-se polícia nesta área”, dizia uma das tabuletas, reproduzidas como placas de trânsito comuns. E as bem-humoradas críticas às autoridades de segurança podiam ser lidas a cada 30 ou 40 metros. O risco ali é muito bem sinalizado. “Perigo: a partir deste trecho seu carro pode sumir”. “Senhor ladrão, em caso de assalto pode levar meus pertences”. E os tais casos de assalto são tão frequentes que — imagine! — até mesmo uma das placas foi vítima. Colocada na noite de quinta-feira, a que dizia “Cuidado: ladrão na pista” foi roubada ontem (26) de manhã. “Se estão roubando placa, imagine o resto”, diz Pablo, que criou a campanha junto com o publicitário Luiz Carlos Castelo Branco.

Mas as que se salvaram tiveram resultado imediato. Com a repercussão em sites e TVs, os moradores contam que viaturas da polícia passaram a fazer rondas na rua. “Hoje passou aqui a cota de viatura dos últimos cinco anos. Espero que continue assim”, pediu o empresário Pablo Ribeiro, 25 anos, um dos idealizadores do movimento, com a participação de 15 pessoas. “Foi muito rápido. Em menos de uma hora estava tudo impresso. Queríamos chamar a atenção”, conta Luiz. Duas vezes vítima. E por falar em protesto silencioso, a rua é aparentemente tão calma que só se ouve os latidos dos cães. Só aparência. Segundo os moradores, apesar de concentrados entre as 17h e as 22h, os assaltos ocorrem a qualquer hora do dia ou da noite.

Em todos os casos, os bandidos fogem pelo mesmo local que chegaram. O chamado Parque das Dunas, a Área de Proteção Ambiental (APA) que margeia toda a Alameda Praia do Flamengo. É por ali a privilegiada rota. “A gente quer a construção de um muro ou de, no mínimo, uma tela”, afirma Pablo. Curiosamente, nenhum dos dois idealizadores das placas foi assaltado ainda. Mas relatos não faltam. O caso mais emblemático é também o mais recente. A enfermeira Priscila Santos, 33 anos, teve a casa onde mora com o primo arrombada, na noite de sábado. Os bandidos aproveitaram que ela viajava e que o primo saiu. Antes de levar carro, notebook e câmera fotográfica, secaram as garrafas de uísque.

Violência e Medo - No dia seguinte, quando, após perceber o arrombamento, o primo de Priscila se dirigia para o local junto com a namorada e o vigilante da rua, os três foram assaltados por três homens. “Um estava com uma faca e outro com uma arma de fogo”, descreveu o vigilante Oscar de Oliveira, 65 anos. “O terceiro era um capenga”. Há dois anos, o tio de Priscila acabou se tornando a maior vítima da violência na região. Ele foi morto a pauladas enquanto passeava com seus dois cães nas dunas. Uma moradora que não quis se identificar conta que há 15 dias saía de casa quando um homem com o rosto coberto e um facão bateu no vidro do seu carro. Ela fugiu, mas por pouco não saiu ferida. “Ele meteu o facão no vidro do carro. A sorte é que não quebrou”, relata. Sorte que ela não teve dois anos atrás, quando homens armados renderam a família inteira antes de levar computadores, celulares e TVs. A casa agora está à venda, assim como a de Priscila.

Em vez de vender ou alugar o imóvel, o aposentado Paulo Muniz, 83 anos, mandou aumentar o muro em 1,5m e vai instalar cerca elétrica e alarme, o que já existe em quase 90% das casas da região. Há dois meses, enquanto sua filha estava fora, seu Paulo foi rendido por bandidos, que levaram duas TVs e eletrodomésticos. “Isso aqui já foi muito tranquilo. É muito ruim viver trancafiado”, lamentou ele, que mora no local há 17 anos. Diversos moradores ouvidos pelo CORREIO relataram que os bandidos chegam ao cúmulo de realizar roubos em série. Fazem o assalto e, em vez de fugir, esperam a próxima vítima. “O engraçado é a cara de pau”, ri Pablo, que apesar do bom humor está preocupado com o futuro dos moradores. E das placas.

Após cometerem os crimes na Rua Alameda Praia do Flamengo, na região de Stella Maris, alguns bandidos acabam fugindo para a Área de Proteção Ambiental (APA) Lagoas e Dunas do Abaeté, que fica na margem da via, de acordo com a polícia. Parte do local está com a cerca destruída, ou não está cercada. A área é de responsabilidade do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Ao CORREIO, o gestor da APA, Tiago Marques, disse, em agosto, que o local de 1.800 hectares deveria ser cercado, para garantir a preservação. A iniciativa, em favor da proteção do meio ambiente, traria benefícios também para a segurança pública.

Segundo o diretor da Universidade Livre das Dunas e Restinga de Salvador (Unidunas), Jorge Santana, o acesso por onde os criminosos costumam fugir fica a cerca de 8 km da instituição, sediada no parque. Ele garante que não ocorrem crimes ali, mas espera acabar com o estigma de que bandidos utilizam o acesso para fugir. “Há um posto da Guarda Municipal ambiental que também funciona em outros parques, mas com o aumento do efetivo, eles irão começar a circular por esse trecho que fica mais perto da Lagoa do Abaeté do que de nós”, explica.

Ainda de acordo com o diretor, há um projeto para cercar o acesso à APA que fica na rua onde estão as placas. A cerca terá quase 3 km. “Temos um projeto para cercar a parte da APA que ainda falta. Será utilizada madeira reflorestada e arame, com espaços de 30 cm a 40 cm, diminuindo bastante a entrada de bandidos”, explica. Procurado, o diretor de Parques da Secretaria Cidade Sustentável (Secis), que estaria à frente do projeto junto com a Unidunas, não foi localizado para comentar quando deve começar o cercamento, previsto para ser concluído até o ano que vem.

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